sábado, dezembro 30, 2006

A crise na pesca obriga os pescadores a correrem mais riscos em busca do seu ganha-pão

"Já morreu mais gente das Caxinas no mar do que do resto do País. É raro o ano em que não acontecem mortes. Sempre por esta altura do ano." António Craveiro, 52 anos, 40 deles passados no mar - "comecei a pescar ainda andava na escola primária" -, conhece bem os perigos e os desgostos que a vida de pescador implica. Lembra-se bem da tragédia ocorrida há dois anos, ao largo de Aveiro, com a embarcação Salgueirinha, em que morreram seis pescadores, todos das Caxinas, Vila do Conde. "Eu próprio já estive, aqui há anos, seis horas à espera de resgate", lembrou.

Ontem, com a notícia de mais um naufrágio, indignou-se com a falta de meios de salvamento mais eficazes. "Em Portugal, havendo naufrágio, há mortes. É triste. Parece um país do Terceiro Mundo. Na Gronelândia, em Espanha ou em qualquer outra terra de pesca, em poucos minutos estava lá um helicóptero. Aqui, acaba sempre por morrer gente", desabafou, logo apoiado por outros pescadores que o rodeavam.

Este sentimento de revolta era comum à maioria das gentes das Caxinas, a comunidade da cidade de Vila do Conde onde se concentra o maior número de pescadores do País, terra das seis vítimas. "Todos eram experientes. Estas coisas acontecem. Tem é que haver socorro imediato. Os homens ali agarrados ao barco e ninguém fez nada", lamentava, entre lágrimas, uma familiar de uma das vítimas.

Parece sina desta gente chorar a perda de familiares. No caso do Luz do Sameiro, das seis vítimas, dois eram irmãos. "O Fernando e o João, casado e com duas filhas, iam no barco. São meus primos. Outro nosso primo morreu há dois anos no Salgueirinha. O corpo nunca apareceu", contou José.

As explicações para o acidente são várias. "Pode ter havido uma avaria, as redes podem ter pegado na hélice ou até o vigia ter adormecido. Acontece, já que muitas vezes estes homens trabalham horas e horas", explicou Raul da Silva, também pescador, na costa algarvia.

Este tipo de barco de pesca costeira não pode pescar a menos de quinhentos metros da costa, mas nesta época do ano, é frequente existirem evasivas a estas directivas, por parte de embarcações deste tipo, por fazerem pesca com redes ao robalo, um peixe mais valioso. Perante a crise na pesca os pescadores vêm-se forçados a arriscar cada vez mais.

«Dezembro e Janeiro são meses fortes do robalo. Há em grande quantidade e rende muito dinheiro. Mas é perigoso andar com barco nessas águas. Facilita-se e depois o mar pode puxar de repente. Este era um barco de ferro. Se fosse de madeira, ficava desfeito», expressou José Serrão, 47 anos, logo secundado por outro pescador já reformado: «O robalo é burro, mas é assassino.»

António Craveiro, que opera com o seu barco Craveiro Flores em Aveiro, reconhece que muitas vezes arrisca-se em demasia: "A vida está muito difícil e, por vezes, facilita-se um bocadinho." Com tantas adversidades, Raul Silva é pessimista: "O mar está a acabar com os pescadores e assim a pesca em Portugal é cada vez pior. Já não há gente para ir ao mar. Agora é com ucranianos e marroquinos que são completadas as tripulações."

Fonte: Diário de Notícias - 30-12-006

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